Escrevi para uma taróloga para saber se ela podia me encaixar em um horário emergencial. Em paralelo, desmarquei com minha terapeuta; não queria encontrar respostas por mim mesma, não queria fazer as perguntas certas, queria um alô do divino.
Abri os sites de compras, angustiada, tentando encontrar o que quer que fosse que tapasse o buraco.
Por fim, no celular, abri o aplicativo de áudio, buscando algo que tamponasse ou desse sentido à angústia, já que silenciar ou refletir por mim mesma parecia contraproducente no momento de ansiedade, ou até mesmo impossível.
Chafurdei em episódios antigos de um podcast que me foi apresentado recentemente, o qual estou particularmente obcecada: Elefantes na Neblina. Como diante de um oráculo, procurei nos títulos temas que pudessem servir para o sentimento do momento, e encontrei um intitulado "Alopra", lançado no dia do meu aniversário do ano passado, 1 de dezembro de 2023.
Dei play. Pelo minuto 58, um dos apresentadores fala de libertação individual, sobre criar a crise você mesmo, e sobre como é na crise individual que temos uma grande oportunidade de libertação. Com esse pensamento, segue e aconselha: a única saída é você assumir o privilégio e o luxo que é poder viver uma crise.
Matutei isso e senti fundo. Fiquei pensando no quanto de lama interna a gente precisa revirar para chegar ao ouro de saber que mudança queremos para nós. Volto para o podcast e escuto um deles falando: saia da borda do rio e vá mais para o meio. Não para consertar o processo, mas para viver profundamente.
Mas e aí, o que é o processo e o que é viver profundamente? Eles respondem: viver algo que você não esperava e que não tem clareza do que vai acontecer, e se perguntar: o que você está sentindo agora? Registrar o que você está sentindo e, daí, tomar alguma atitude — ou atitude nenhuma, e esperar alguma surpresa. Depois? De novo. E de novo, registre.
Passe a prestar atenção nisso, em examinar a sua vida, em se colocar na rota das surpresas, das crises, e com curiosidade.
Lembrei da conversa que tive poucos minutos atrás com meu irmão do meio. Estávamos falando sobre uma certa virada pelos 35 anos (no nosso caso, foi por essa idade), de quando se torna mais evidente que tomar decisões pelas projeções dos outros deixa de ter tanto peso. Gradualmente, se existir um processo de autoanálise, você começa a focar mais em como se instala no mundo e como isso te faz sentir, do que na validação externa.
Volto para o podcast. Quando chega a 1:06, outro entrevistador levanta um questionamento: no caso de uma dona Maria ouvir essa conversa e fazer a seguinte pergunta: "Concordo com tudo o que vocês falaram, mas não posso colocar uma mochila nas costas e ganhar o mundo feito um vagabundo, já que estou presa na minha vida, pagando contas, estou no meu trabalho esperando uma promoção que não chega, enquanto pego meus filhos na escola. Então, o que vocês falariam para mim?"
A resposta, em resumo? Alopra. Ele desenvolve e eu peço que, antes de ir a uma taróloga, desmarcar com a terapeuta ou entrar em sites de compras, você ouça esse episódio. Mas, em verdade, alopra; vire sua própria mesa, faça algo que você nunca achou que lhe fosse permitido fazer no seu mundo e, depois, anote, e vá fazendo isso até você se tornar irreconhecível.
Não saia abandonando tudo e colocando fogo na sua vida, não é isso, mas ao menos questione suas crenças.
O podcast assume um caráter especialmente luminoso para mim, quando, nesse momento, um dos Larrys (como eles se chamam) conta uma história da sua falecida mãe:
"Minha mãe era uma dona Maria, e eu passei a minha existência sugerindo que ela saísse desse lugar e aloprasse. Um movimento que ela se recusava a fazer. Eu me lembro de uma vez em que ela estava vivendo a crise da meia-idade dela, e estávamos no shopping. Em um momento, ela não aguentou. Com uma sensação de sufocamento, simbolizada pela roupa que estava usando, como se estivesse muito apertada, aquela mulher absolutamente controlada e impecável entrou em uma loja, pediu uma tesoura e cortou a gola da própria roupa. Ao cortar o pedaço de roupa, ela expressou muito do espaço que precisava para respirar."
Isso me lembrou quando minha dona Maria, minha mãe, teve alta este ano do balão de oxigênio, e fizemos um vinho com pizza em família, comemorativo na casa dela. O evento como um todo durou pouco, mas acabei dormindo lá com meu filho e, por um tempo, fiquei ouvindo-a falar, enquanto a garrafa seguia seu curso. Eu não estava bebendo nesse dia e me senti especialmente lúcida enquanto ela falava. Pude guardar algumas coisas, umas que até anotei, mas ressalto aqui uma que na sua hiperlucidez ébria, de quem havia acabado de passar por uma experiência de quase-morte, disse: "É tão bom sentir o que estou sentindo. É perturbador — mas é ótimo: estou viva."
outro dia eu disse pra terapeuta que queria despirocar. mas não soube explicar como ou sequer o q isso significava. começo a entender agora... aloprar parece uma boa!
E mais, quando a gente vai afogando os sentimentos e apertando tudo dentro a pressão só aumenta na garrafa. E o pior que ela sempre explode em quem mais amamos…. Importante an auto reflexão e consciência de si. Que análise sóbria sua e que saudade desse bela escritora e da tia Silvia!